12 de ago. de 2010

Individualismo como liberdade

Procurar em Henry David Thoreau e Hakim Bey, as questões que me haviam sido impostas nesses dias tornou-se supérfluo. Buscar respostas, em meio a uma tempestade de ideias, não é algo muito produtivo. Melhor do que a dicotomia certeza/dúvida é a inspiração que motiva novas formas de caminhada. O que me motivou, a escrever sobre esse assunto, partiu de uma pessoa e duas situações. Algo me diz que vou tratar da individualidade – com certeza haverá um desvio – como foco desse humilde texto.

O que é liberdade, numa sociedade permeada por diversas prisões e formas de controle? A resposta, longe de ser exata, perpassa pela busca daquilo que é considerado como uma linha de força positiva. Algo como diz Deleuze:

Será dito bom (ou livre, ou razoável, ou forte) aquele que se esforça, tanto quanto pode, por organizar os encontros, por se unir ao que convém à sua natureza, por compor a sua relação com relações combináveis e, por esse meio, aumentar sua potência. (...) Dir-se-á mau, ou escravo, ou fraco, ou insensato, aquele que vive ao acaso dos encontros, que se contenta em sofrer as conseqüências, pronto a gemer e a acusar toda vez que o efeito sofrido se mostra contrário e lhe revela a sua própria impotência. [grifo meu]

No século I d.C., Sêneca (filósofo estóico) já havia alertado para a relação entre o senhor e escravo. Para este o senhor poderia sentar-se à mesa e comer tranquilamente com seu escravo, escrevia ele “(...) age com teu inferior como gostaria que o teu superior agisse contigo”. Sendo assim, o que significa organizar encontros e não gemer diante da própria impotência? Na medida em que na relação entre o senhor e escravo, a diferença está apenas na hierarquia.

Quem se contenta em sofrer, passivamente, as conseqüências do ato de invasão a sua liberdade, está enfraquecido. Afetado por determinadas situações, ao invés de pensar, necessita-se de reflexão. Acho impossível, responder a determinado tipo de que questão mediante a falta de reflexão. Datada no ano de 1671, aproximadamente, essa palavra denota – em alguns de seus possíveis significados – parcimônia e concentração sobre si próprio. E foi, através do ato de reflexão, enfurecido com o mundo à sua volta que Thoreau escreveu A desobediência civil.

Li este livro, em janeiro de 2008, enquanto estava na casa de minha tia em Salvador. Lembro de vários locais que havia passado pela cidade: elevador Lacerda, Pelourinho, Forte São Marcelo, entre outros. A cidade era caos e maravilha. Deixando as lembranças soteropolitanas de lado, a ideia de Thoreau se volta para a busca do individualismo como forma de liberdade. Este autor vivia como um eremita, em meio à natureza, e indo certa vez ao vilarejo de Concord foi preso por sonegação de impostos. Dentro da prisão, tendo tempo para a reflexão, escreveu furiosamente o citado livro. Para ele,

Não é dever de um homem, na verdade, devotar-se à erradicação de qualquer injustiça, mesmo a maior delas, pois ele pode perfeitamente estar absorvido por outras preocupações. Mas é seu dever, ao menos, lavar as mãos em relação a ela e, se não quiser mais levá-la em consideração, não lhe dar apoio em termos práticos. Se me dedico a outras ocupações e projetos, devo ao menos, verificar, inicialmente, se não o faço sentado sobre os ombros de outro homem. [grifo meu]

O individualismo é uma prática que não utiliza o outro. Então, como um humano pode viver, sem usar o próximo? Longe de ser utópico, reconheço que num sistema de exploração é impossível negar a utilização do próximo, como uma máquina. Porém, não nego a utopia. Ela é necessária e importante para se pensar novas formas de vida.

Energicamente reprovo a condição de submissão ao outro, a falta de noção sobre a liberdade dos indivíduos. Não retiro o direito das pessoas serem o que melhor lhes convém, mas não acho que elas devam deixar-se usar, simplesmente, como meros instrumentos. Eu não gostaria de ser intermediário do desejo alheio, sem que esse aumentasse a minha potência.

Sabendo que ao longo de nossa marcha existencial passamos por desvios e novos caminhos, penso na experiência como melhor forma de enfrentar os desafios e aperfeiçoar conceitos. Inegavelmente, reconhecendo os meus limites, digo que agi como um escravo mediante o encontro que suscitou a escrita desse texto. Entretanto, na busca de ser considerado forte, bom e não gemer as simples conseqüências morais e éticas daquilo que me havia sido imposto, agencio o encontro por meio de linhas de força positivas, que moldaram a ideia central desse texto.

O individualismo, como modo de vida, não denota egoísmo. Mesmo que signifique agir sozinho, denota certo tipo de altruísmo. Porém,

Dizer “só serei livre quando todos os seres humanos (ou todas as criaturas sensíveis) forem livres”, é simplesmente enfunar-se numa espécie de estupor de nirvana, abdicar da nossa própria humanidade, definirmo-nos como fracassados.

Logo, reconheço meu direito a expor minha opinião e sentimento quando invadem tiram o meu frágil equilíbrio. Se a história ensina algo, além de conceitos, linguagens e representações, aprendi e aprendo todos os momentos, que a vida é um eterno devir. É bom lembrar-se disso, pois na visão de algumas pessoas, o nosso eu é excêntrico. E, sem centralidade, algumas pessoas não agüentam perder o controle. Bom é estar aberto a novas possibilidades e formas de enxergar o mundo.

Lux et voluptas!

4 comentários:

Ideias da História disse...

Estou a cá lendo seu texto; tentando achar uma linha coerente a qual possa comentar. Não é fácil. Como não poderia ser diferente, seu texto é cheio de contradições - a liberdade é, ao meu ver, contraditória. Você mesmo admite isso e declara-se um utópico - a utopia torna-se no seu texto, assim, também contraditória.

Associei seu pensamento ao de Adam Smith. Antônio Peixoto acredita que esse pensador escocês foi o primeiro a conseguir resolver o problema da construção da felicidade geral pelo indivíduo: a partir do momento que alguém trabalha para aumentar a própria riqueza, ele está aumentando a riqueza da nação e, assim, a felicidade de todos.

Você também acredita - creio eu - ser possível aumentar a felicidade de todos por meio de um ato individual: afirmar a própria individualidade. Isso porque você considera a individualidade como valor. Essa não foi sua conclusão: foi seu pressuposto! Do mesmo jeito que Adam Smith partiu do pressuposto que riqueza é felicidade.

Não estou discordando de você; não estou falando que o individualismo não tem seus valores, ou que não seja altruísta. Estou apenas afirmando que essa crença é mera escolha - e talvez mero reflexo de valores 'universais' atuais.

Mas tudo ficará bem! Conquanto sua premissa sobreviver, todo seu pensamento poderá ser sustentando. Mas lembre-se que Aristótales já nos ensinou que, sem premissa maior, o argumento lógico por água abaixo. Então, faça igual Valter: agarre sua premissa maior e saia correndo com ela até a linha de chegada.

Maybe another Mr. Nobody disse...

Bom, me levou a pensar, ainda que por veredas tortuosas, vou escrever um ensaio sobre as ideias que o sue texto me sucitou.

Mas antes, Escola de Chicago!

Anônimo disse...

Parabéns pelo blog Pedrão, sem dúvida é uma amostra de erudição e
reflexão!!!

Pedro disse...

Muito obrigado pessoal!