30 de jul. de 2010

Imaginando Vitória

Não sei se é um mal de nossa época achar que tudo está indo mal, que se vive num momento pobre e que a maior parte dos problemas não tem solução. Que isso se liga a uma visão pessimista de mundo, ninguém pode negar. O fato é que em Vitória, quando se insere nas tortuosas aventuras e desventuras das ruas, as pessoas acham que estão à margem do mundo, de que aqui nada acontece. Quando o viajante vê isso, meditando pergunta: como é possível que nada aconteça no mundo? Tendo a consciência de que no mundo todo – tudo pertence ao eterno diálogo das coisas que estão interligadas pelo fio condutor da vida – sempre acontece algo, é inimaginável entender a vida como algo parado, sem movimento. Muito menos, pode-se ter a certeza de que uma cidade não está em movimento.

Se a cidade não se move, são as pessoas que não compreendem o infinito movimento que ela faz. Isso só confirma que, não todas as pessoas, mas a maior parte vê apenas as silhuetas do mundo que as cerca.

O mundo como penumbra é algo que inspirar terror. A escuridão sempre mexeu com o imaginário das pessoas. O que não vemos causa, no mínimo, assombro. Se Vitória é sempre vista dessa forma, então nunca será uma boa cidade. Como podem as pessoas se encontrar em meio às sombras?

Se no Mapa do Grande Khan cabem todas as cidades, será que o imperador possuiria um outro mapa, que serviria de guia para sair da escuridão? Provavelmente, Marco Polo iria responder: “Não a guia para sair da escuridão. Para encontrar a luz ou a saída das trevas, é preciso trilhar o caminho que leva ao dia. Do poente até o sol nascer, a terra dá uma volta inteira. Para que uma cidade se encontre, é preciso que as pessoas trabalhem enquanto vem o momento da aurora. O sol nasce independente da vontade alheia. Mas o mundo que as pessoas têm a sua volta, só roda quando o pensamento vira ação”.

Encontrar uma cidade significa encontrar a si mesmo. Saber o que exprime uma cidade é compreender a dinâmica do espaço em que se situamos. Se a urbe é caótica, no seio de sua história, que cria e recria a sua identidade, ainda sim ela tem sua ordem. Nenhuma cidade é sem trajetória, todas tem sentidos e caminhos que denotam um símbolo. Logo, toda cidade é o símbolo vivo, daqueles que nela habitam.

Se fumando tabaco da parte mais longínqua de seu império, o Grande Khan, sentado no seu trono, perguntasse a Marco Polo o motivo de existirem as cidades, o viajante não poderia dar uma resposta fechada. “Não há como responder essa pergunta de forma exata. Caminhei por todas as cidades, nenhuma delas era apreensível completamente. Quanto mais de perto vemos uma cidade, sempre notamos as diferenças. Uma rua, que durante o dia é movimentada, à noite sede lugar para o silêncio, onde o passante taciturno caminha a espreita de um desejo íntimo que eleve a sua felicidade”.

Em Vitória, diria ele ao imperador, o centro da cidade é agitado durante o dia. Passam pessoas, nas calçadas os vendedores falam alto em busca de transformar os passantes da calçada em clientes, as ruas dividem espaço com os carros e ônibus que passam pesado sobre a rua, e é muito possível que se escute a buzina de um navio que vem atracar no porto. Quando o sol vai se pondo, o barulho dos carros vai cedendo espaço para os sons do silêncio. As ruas que eram movimentadas, repousam num silêncio profundo. A vida toma outra feição, e quem caminha naquele local são apenas os espíritos marginalizados, que ficam à espreita. E mesmo à margem, esses espectros noturnos têm a sua alegria, ainda que nos seja peculiar.

O aparente movimento soturno, daqueles que caminham à noite, é desconhecido pelos que caminham durante o dia. O viajante, mesmo de fora, tem que se esforçar e muito, para perceber as sutilezas e vivacidades das pessoas que nada aparentam possuir.

À noite, mesmo quando todas as vacas são pardas, o indivíduo se revela como mais alto ser. No mundo real, banhado pela luz da lua, ou dos postes, o real se mistura com a ficção e o sonho torna-se uma etérea realidade. Onde passavam carros, agora voa um jornal levado pela brisa noturna com uma notícia que já não interessa ninguém porque se refere ao tempo passado.

Quem caminha à noite, pela Avenida Vitória, ao raiar da luz do primeiro poste, sabe que o tempo de transição chega. Enquanto a imagem do jornal voando, se refere ao tempo que passou, toda vez que se ascende um poste, o viajante sabe que um novo dia está por vir. Quando entra a noite, é sinal de que o dia tem que raiar. É nesse sentido que a esperança, dos vagabundos notívagos, se renova. A vida deles, como diria um dos companheiros do viajante, segue o ritmo da “marchinha incessante da existência”.

Assim, aqueles que caminham, sem um rumo definido acabam por continuar uma vida quase que cíclica, pois apenas esperam a noite vir para o dia raiar. Esse movimento, quando captado por aquele que viaja, eleva o espírito e a existência, revelando como uma vida singela se mexe.