6 de out. de 2010

Afinal, já não somos "tão burros".

Estamos contentes com o rumo que a política vem sendo conduzida no Brasil? No último domingo (03 de outubro de 2010), o brasileiro foi a urna para votar. Votou bem? Pelo que indicam os números, poucas foram as mudanças no quadro legislativo federal. Apenas 43% da câmara se renovou. De fato, isso já é sinal positivo a respeito da condução da política no país, pois, nessas eleições alguns candidatos não tiveram o direito de se reelegerem.
Agora, o que deixa o Brasil com grande expectativa é o segundo turno. Para aqueles que apoiaram Dilma com a certeza de vitória certa, o mundo deixou de ser tão certo. Os "serristas", se aproveitam do fato para tentar ganhar Brasília, novamente. Enquanto isso, a candidata derrotada do PV, mas que foi destaque em jornais ao redor do mundo (Le Monde, Clarín, etc.), aguarda a reunião de seu partido sem ideologia e projeto para apoiar, com certeza, o candidato que estiver como favorito. Certo, pela sua atitude, foi Gilberto Gil (cantor e ex-ministro da cultura) que declarou apoio a Dilma. Nesse ponto, admiro a ação dele enquanto indivíduo público ao se pôr por cima dos interesses do partido.
Como brasileiro, e que está acompanhando com anseio as eleições, não gosto do modo como esse processo eleitoral foi conduzido. Praticamente, todos os candidatos sobrepujaram os interesses econômicos e administrativos em detrimento de se pensar a nação, o Brasil e o povo. Ganhou, infelizmente, o marketing. Como alegou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (ao meu ver, um grande intelectual, que largou suas convicções em nome de uma sociedade excessivamente burocratizada), não se pensa mais no futuro, se montam discursos e pronto. Ganha aquele que convencer melhor.
A verdade é: enquanto milhares de brasileiros estão sem acesso a saúde, ao que comer, ao saneamento básico, a educação (de qualidade e básica), duas elites políticas - esclerosadas pelo tempo e desgastadas pelo poder - brigam pelo governo. Fora isso, a mídia e o povo caem em armadilha ao ouvir palavras firmes - e falsas - de candidatos que alegam que irão reduzir a menor idade penal e criminalizar o aborto - não é senador Magno Malta? Que façam isso, mas que seja feito com o debate político e não, pelas simples palavras, de um indivíduo que sozinho não pode salvar a sociedade.
Do outro lado, ainda, resta a tal Marina da Silva. Inteligente, mas que não deixa de representar a ala conservador da sociedade. Não diria nem conservadora, mas retrógrada. Afinal de contas, o objetivo é diminuir a maior idade penal enquanto as cadeias super-lotadas continuam a ser locais insalubres de convivência onde as pessoas se tornam mais violentas? Ou, por que o aborto, prática constante na sociedade (porém, obscurecida), tem de ser criminalizada? Não me oponho à vida, me oponho àqueles que fazem dela um local menos feliz e que se utilizam de meios para ascender a objetivos obscuros. Será que a sociedade brasileira é tão retrógrada assim, a ponto de não ver o que se passa?
O que eu noto é a manifestação do medo. As pessoas tem medo de se mostrarem, e mesmo assim, juntam cacos de coragem para mostrar que, ainda, resta dignidade numa nação corrompida, a muito pela falta de compromisso público de indivíduos que governam. É inegável a mudança do pensamento da sociedade, e, já não somos "tão burros" assim. Ou melhor, nunca fomos burros. O que estamos aprendendo é que temos o poder, e com ele podemos mudar o mundo. Nenhum indivíduo é passivo. Essas últimas eleições, verdadeiramente, provaram isso.

27 de set. de 2010

Poesia Real

O que eu procuro lá, está aqui

Embaixo do meu nariz.

A distância entre o meu pensamento

E o Nepal não é real.

É de perto que se vê longe.

É fixando o longe que não se chega.

O pensamento deve fluir

Para a realidade acontecer.

12 de set. de 2010

Um balanço sobre o 11 de Setembro.

Vale lutar por uma causa que seja maior que você? Vejam, pois, que há nove anos alguns indivíduos ao destruírem as torres do World Trade Center, acreditavam morrer por algo maior que eles. Então, certo? É só analisar, pela atual conjuntura internacional, como estão os países árabes que foram atacados pelos Estados Unidos. Ao ler reportagens sobre a situação do Iraque e do Afeganistão, os relatos não revelam muitas coisas boas. Logo, conclui-se que o atentado contra os infiéis e a guerra para levar a democracia fazem parte de plano maior: subjugar os indivíduos e a sociedade em nome da violência.

À medida que a sociedade toma novas feições, parece que a violência se torna mais consentida e sutil. Os mitos – que são base da civilização ocidental – apenas comprovam a ineficácia de nossos líderes em manter certa “regularidade” em nossa sociedade. Por conta disso, o uso indiscriminado da força pelo Estado se torna uma das ferramentas necessárias para a manutenção do poder. Walter Benjamin já havia caracterizado essa pobreza dentro da sociedade, quando relatou sobre a perda de capacidade dos indivíduos em absorver as experiências à sua volta. Assim sendo, por que valeria a pena lutar por algo que é maior do que eu? É uma visão romântica achar que o passado sempre foi melhor, sendo que a única capacidade concreta de realização da experiência se resume ao presente. Em nove anos, após o 11 de setembro, o que mudou no mundo?

No século XIX, quando surgiu o bojo para o nacionalismo moderno, as pessoas teorizavam a superioridade de uma nação em relação à outra. Ao entrar o século XX, insufladas por essa superioridade, as nações entraram em guerra para fazer prevalecer seus interesses. Disso decorreram os Fascismos, a ascensão das ditaduras latino-americanas da década de 1930, o endurecimento do regime socialista sobre as mãos de Stalin. Na Alemanha nazista houve a perseguição dos judeus, ciganos e outros povos que eram “impuros”.

Na Argentina, quando Ezequiel Martínez Estrada criticou a noção de civilização estava preocupado com os rumos que a política de seu país, o autor tinha receio com a forma como a modernização ocorria: na medida em que ocorria o desenvolvimento as diferenças sociais aumentavam. No Brasil, Carlos Drummond de Andrade ao pedir demissão do “ministério Capanema” e com a publicação de “A Rosa do Povo”, pressentia os rumos sombrios que pairavam a sociedade.

Sempre que o mundo parece se modernizar, grande parte dos indivíduos parecem se esquecer quem são. As lutas sociais e ideológicas, decorrentes desses processos sempre levam ao fortalecimento de um poder ainda maior. Se a sociedade se caracteriza pelo movimento da espiral hegeliana de progresso, está envenenada. Justamente nisso, que desembocou a trajetória do 11 de Setembro. A tal revolução islâmica e a consagração da democracia ocidental reforçaram ainda mais a ineficácia da manutenção dos mitos em uma sociedade. Assim sendo, novamente ocorreu “[...] a trajetória padrão: revolução, reação, traição, a fundação de um Estado mais forte e ainda mais opressivo -, a volta completa, o eterno retorno da história, uma e outra vez mais, até o ápice: botas marchando eternamente sobre o rosto da humanidade”.

Em nome de uma visão romântica, a violência ocorreu outra vez – e não será a última. Ainda assim, não foi possível calar as pessoas. O inconsciente, por meio de manifestações políticas, obras de arte, literatura, etc., manifestou-se e continua a se manifestar, na medida em que a sociedade produz suas formas de escapar à repressão imposta.

Acho que com o 11 de setembro serviu para duas coisas: 1) mostrar que as grandes utopias ainda existem; 2) a ineficácia de um sistema que já caduca a muito tempo: a distinção da humanidade por meio de nações.

30 de ago. de 2010

Amanhecer - Jorge Luis Borges

Segue um trecho do poema de Borges que li ontem, e me chamou a atenção.

[...]
Se as coisas carecem de substância
e se esta numerosa Buenos Aires
não passa de um sonho
que erigem em partilhada magia das almas,
há um instante
em que seu ser se vê em desmedido perigo
e é o instante estremecido da aurora,
quando são poucos os que sonham o mundo
e só alguns noctívagos conservam,
acinzentadas e e apenas em esboço,
a imagem das ruas
que depois definirão com os outros.
Hora em que o sonho contumaz da vida
corre o risco de quebranto,
hora em que Deus seria fácil
matar inteiramente Sua obra!
[...]

24 de ago. de 2010

Dia de comemorar a literatura!


Jorge Luis Borges, nasceu em Buenos Aires no dia 24 de Agosto de 1899. Vindo de uma família "tradicional", com influência na história da Argentina, esse escritor obteve fama ao longo do século XX. Vive-o praticamente todo. Morreu em 14 de Junho de 1986, aos 86 anos, na cidade de Genebra.
Pensei que hoje era o dia em que esse escritor havia morrido, mas não. Ao conferir a data na Internet, confirmei que hoje é a data do aniversário desse literato que me é tão importante. Os temas que Borges trabalhou em seus escritos influenciaram gerações inteiras - desde das vanguardas dos anos de 1920, passando pela leva de escritores no qual se encaixa Julio Cortázar, até os dias de hoje, Borges é um nome sagrado, seja para quem o odeia ou gosta. Prova disso, é que o não tão aclamado Paulo Coelho lançou seu último livro com o nome de O Aleph. Em obra homônima, Borges trabalhou temas que são de uma profundidade inegável.
Outro poeta, curitibano em sua origem, logo brasileiro, que nasceu nesse mesmo dia foi Paulo Leminski. Esse morreu no ano de 1989, teve uma carreira meteórica. Lançou poesias simples e intensas, que mexem com o Eu interior. Dono de uma escrita limpa, a poesia de Leminski é direta e certeira.
Eterno como Buenos Aires, Borges nos legou uma obra de considerável qualidade. E, mesmo que a vida seja só uma passagem, Leminski nos deixou uma poesia feliz e ritmada, como o judô que praticava.
Hoje é um dia que podemos comemorar muitas coisas!

22 de ago. de 2010

A lente de Spinoza: uma ótica para uma ética


Queria escrever a respeito de um pensador que li, para fazer um seminário, essa semana. Baruch de Spinoza (1632-1677), pensador judeu excomungado pela sua sinagoga, nascido em Amsterdã e que viveu à margem da sociedade e época, do qual foi filho. Escolheu trabalhar como produtor de lentes, a fim de entender os princípios da ótica e criar novas for

mas de ver o mundo. Além disso, foi um grande filósofo e sua obra mais refinada foi a Ética, pois tratou de temas importantes a época, de forma controversa. Por exemplo, a ideia de que Deus e todas as outras criaturas derivam da mesma substância. Logo, Deus e o homem são frutos de um mesmo plano, o Plano de Imanência.

Além de tratar de filosofia, Spinoza tratou de política. Em seu Tratado Político, obra inacabada, ele nos deixou uma visão de como o governo deveria funcionar e qual seria a melhor forma de governo entre os homens. A Democracia, é impreterivelmente, a escolhida por ele, haja visto que comporta a maior variedade de pessoas. Em uma sociedade democrática, as pessoas se unem para aumentar sua potência positiva, e desenvolver sua capacidade enquanto indivíduos. Para entender melhor essa ideia, sugiro o seguinte exemplo: se em uma sociedade não há leis, no estado de natureza, um indivíduo por ser mais forte pode exercer uma potência negativa para com o outro, pois o constrange. Se, a existência do estado de natureza é para que os indivíduos desenvolvam suas capacidades, logo a sociedade se organiza para que as potências possam se unir, e não se constranger. Para Spinoza, a Sociedade consiste num tipo de

Estado no qual um conjunto de homens compõe sua respectiva potência de maneira a formar um todo de potência superior. Este estado conjura a fragilidade e a impotência do estado de natureza em que cada um corre sempre o risco de encontrar uma força superior à sua capaz de destruí-lo. O estado civil ou de sociedade assemelha-se ao estado de razão, e contudo apenas dele se assemelha, o prepara ou lhe ocupa o lugar [...]. Isto porque, no estado de razão, a composição dos homens faz-se segundo uma combinação de relações intrínsecas, determinadas pelas noções comuns e pelos sentimentos ativos que delas decorrem [...]. (DELEUZE, 2002, p. 112)

Depois de ler Spinoza, e começar a ler Simmel (sociólogo alemão) e andar pelas ruas, ver a vida e conversar com as pessoas que compõe meu mundo, fiquei pensando muito, por isso escrevi esse texto. Longe de ter qualquer atitude racional, me sinto incomodado com as coisas que me aconteceram por esses dias.

Ontem fui a um espetáculo de dança, “A wonderfull geekiness”, algo como (uma maravilhosa cafonisse, traduzindo para o português). Dança contemporânea, baseada em músicas da década de 1960 e 1970. Longe de ser um momento de calma, essas duas décadas condensaram a inocência e a turbulência, de um período marcado por diversos conflitos políticos.

Após acabar o espetáculo, sentei num local agradável e comecei a conversar com a pessoa que me acompanhava. Tive, ligeiramente, a sensação de que estava entre os momentos de “Antes de amanhecer” e “Antes do pôr-do-sol” – porém, foi uma ligeira sensaçã. Para quem não conhece, são dois filmes que dizem respeito à vida de duas pessoas: Jesse e Celine. (O resto eu não fala, recomendo que vejam, vale a pena!!). Então, certo: qual a relação entre Spinoza, dança contemporânea, filmes e conversas e ainda Simmel? É simples: a união de tudo aquilo que nos é combinável, o aumento de potências.

No mundo onde há a perda de áurea o tempo inteiro, composto de relações líquidas, eu não me sinto pertencente a isso. E, esse texto, deriva justamente das inquietações da forma como tenho visto meu mundo.

Ao meu ver, a individualidade é um caminho primordial para a liberdade. Nunca seremos completamente livres, na medida em que vivemos num mundo em que somos constrangidos todas as horas. Seja por uma lei, ou por outra pessoa. É justamente por isso, que devemos combinar as potências, de modo que as forças se unam, e não ao contrário. Indivíduos que se unem para aumentar a conattus, e dizer sim a vida! Não é questão de esperar pela Revolução, é questão de fazer o nosso próprio levante a tudo o que nos cerca. Se o mundo perdeu o encanto e áurea, então qual é o sentido disso tudo? Nós que damos sentido.

Ao invés de nos sedentarizar, como fizeram nossos antepassados, deveríamos seguir o pensamento nômade. O que é ser nômade? Ser tudo o que podemos ser, viver a vida como melhor nos convém. Sermos excêntricos, ao invés de centrados. Se, ao criar o plano de Imanência, que nos traz para o interior da vida Spinoza produziu sua melhor lente, quando vivemos um pouco de cabeça para baixo, acho que podemos ter novas experiências. E mesmo que sejam sutis, provavelmente darão significados felizes para nossa vida.

17 de ago. de 2010

Zen

De olhos fechados, num embalo zen

Me reconheço afobado

E vejo você também.

Montando meu sonho

Aceito a realidade

Que em minha volta

Se transforma com o vento

12 de ago. de 2010

Individualismo como liberdade

Procurar em Henry David Thoreau e Hakim Bey, as questões que me haviam sido impostas nesses dias tornou-se supérfluo. Buscar respostas, em meio a uma tempestade de ideias, não é algo muito produtivo. Melhor do que a dicotomia certeza/dúvida é a inspiração que motiva novas formas de caminhada. O que me motivou, a escrever sobre esse assunto, partiu de uma pessoa e duas situações. Algo me diz que vou tratar da individualidade – com certeza haverá um desvio – como foco desse humilde texto.

O que é liberdade, numa sociedade permeada por diversas prisões e formas de controle? A resposta, longe de ser exata, perpassa pela busca daquilo que é considerado como uma linha de força positiva. Algo como diz Deleuze:

Será dito bom (ou livre, ou razoável, ou forte) aquele que se esforça, tanto quanto pode, por organizar os encontros, por se unir ao que convém à sua natureza, por compor a sua relação com relações combináveis e, por esse meio, aumentar sua potência. (...) Dir-se-á mau, ou escravo, ou fraco, ou insensato, aquele que vive ao acaso dos encontros, que se contenta em sofrer as conseqüências, pronto a gemer e a acusar toda vez que o efeito sofrido se mostra contrário e lhe revela a sua própria impotência. [grifo meu]

No século I d.C., Sêneca (filósofo estóico) já havia alertado para a relação entre o senhor e escravo. Para este o senhor poderia sentar-se à mesa e comer tranquilamente com seu escravo, escrevia ele “(...) age com teu inferior como gostaria que o teu superior agisse contigo”. Sendo assim, o que significa organizar encontros e não gemer diante da própria impotência? Na medida em que na relação entre o senhor e escravo, a diferença está apenas na hierarquia.

Quem se contenta em sofrer, passivamente, as conseqüências do ato de invasão a sua liberdade, está enfraquecido. Afetado por determinadas situações, ao invés de pensar, necessita-se de reflexão. Acho impossível, responder a determinado tipo de que questão mediante a falta de reflexão. Datada no ano de 1671, aproximadamente, essa palavra denota – em alguns de seus possíveis significados – parcimônia e concentração sobre si próprio. E foi, através do ato de reflexão, enfurecido com o mundo à sua volta que Thoreau escreveu A desobediência civil.

Li este livro, em janeiro de 2008, enquanto estava na casa de minha tia em Salvador. Lembro de vários locais que havia passado pela cidade: elevador Lacerda, Pelourinho, Forte São Marcelo, entre outros. A cidade era caos e maravilha. Deixando as lembranças soteropolitanas de lado, a ideia de Thoreau se volta para a busca do individualismo como forma de liberdade. Este autor vivia como um eremita, em meio à natureza, e indo certa vez ao vilarejo de Concord foi preso por sonegação de impostos. Dentro da prisão, tendo tempo para a reflexão, escreveu furiosamente o citado livro. Para ele,

Não é dever de um homem, na verdade, devotar-se à erradicação de qualquer injustiça, mesmo a maior delas, pois ele pode perfeitamente estar absorvido por outras preocupações. Mas é seu dever, ao menos, lavar as mãos em relação a ela e, se não quiser mais levá-la em consideração, não lhe dar apoio em termos práticos. Se me dedico a outras ocupações e projetos, devo ao menos, verificar, inicialmente, se não o faço sentado sobre os ombros de outro homem. [grifo meu]

O individualismo é uma prática que não utiliza o outro. Então, como um humano pode viver, sem usar o próximo? Longe de ser utópico, reconheço que num sistema de exploração é impossível negar a utilização do próximo, como uma máquina. Porém, não nego a utopia. Ela é necessária e importante para se pensar novas formas de vida.

Energicamente reprovo a condição de submissão ao outro, a falta de noção sobre a liberdade dos indivíduos. Não retiro o direito das pessoas serem o que melhor lhes convém, mas não acho que elas devam deixar-se usar, simplesmente, como meros instrumentos. Eu não gostaria de ser intermediário do desejo alheio, sem que esse aumentasse a minha potência.

Sabendo que ao longo de nossa marcha existencial passamos por desvios e novos caminhos, penso na experiência como melhor forma de enfrentar os desafios e aperfeiçoar conceitos. Inegavelmente, reconhecendo os meus limites, digo que agi como um escravo mediante o encontro que suscitou a escrita desse texto. Entretanto, na busca de ser considerado forte, bom e não gemer as simples conseqüências morais e éticas daquilo que me havia sido imposto, agencio o encontro por meio de linhas de força positivas, que moldaram a ideia central desse texto.

O individualismo, como modo de vida, não denota egoísmo. Mesmo que signifique agir sozinho, denota certo tipo de altruísmo. Porém,

Dizer “só serei livre quando todos os seres humanos (ou todas as criaturas sensíveis) forem livres”, é simplesmente enfunar-se numa espécie de estupor de nirvana, abdicar da nossa própria humanidade, definirmo-nos como fracassados.

Logo, reconheço meu direito a expor minha opinião e sentimento quando invadem tiram o meu frágil equilíbrio. Se a história ensina algo, além de conceitos, linguagens e representações, aprendi e aprendo todos os momentos, que a vida é um eterno devir. É bom lembrar-se disso, pois na visão de algumas pessoas, o nosso eu é excêntrico. E, sem centralidade, algumas pessoas não agüentam perder o controle. Bom é estar aberto a novas possibilidades e formas de enxergar o mundo.

Lux et voluptas!

7 de ago. de 2010

A ilusão do campo de concentração: por uma vida não fascista

- Que poderia eu dizer-te, ó reverendo? Só, talvez, que procuras demais, que de tanta busca não tens tempo para encontrar coisa alguma.
- Por quê? - perguntou Govinda.

- Quando alguém procura muito - explicou Sidarta - pode facilmente acontecer que seus olhos se concentrem exclusivamente no objeto procurado e que ele fique incapaz de achar o que quer que seja, tornando-se inacessível a tudo e a qualquer coisa porque sempre só pensa naquele objeto, e porque tem uma meta, que o obceca inteiramente. Procurar significa: ter uma meta. Mas achar significa: estar livre, abrir-se a tudo, não ter meta alguma. Pode ser que tu, ó venerável, sejas realmente um buscador, já que, no afã de te aproximares da tua meta, não enxergas certas coisas que se encontram bem perto dos teus olhos.

(Sidarta – Herman Hesse)


Estar livre é uma rara capacidade que os seres humanos possuem. Ao caminhar pelas sendas da História, é possível perceber as diversas formas de escravidão que o ser humano se encontrou: o trabalho compulsório, na antiga colônia e em grande parte do Brasil Império; a humilhação em campos de concentração, implementada pelos facismos; não menos importante, a submissão de milhares de índios aos colonizadores, na América Hispânica e Portuguesa. Se não bastasse a auto-escravidão, foi necessário que escravizassem os outros.

Dispersos em pensamentos, muitas vezes vagos, acabamos por não enxergar o mundo que nos rodeia. Por conta das metas e das obrigações – muitas delas, escurecidas – acabamos por viver uma vida fascista. Involuntariamente, acabamos por tornar a nossa vida um campo de concentração, onde o autoflagelo e a dissonância entre a liberdade e a prisão tornam-se habituais.

O comum não é a prisão, mas o hábito de aprisionar-se, de sedentarizar-se. Dentro de toda a complexidade humana, o movimento (é preciso que o coração pulse para que haja vida) e a liberdade (mesmo oculta) estiveram presentes. O pensamento nômade, em sua própria história, sedentarizou-se, mediante as comodidades criadas pelo Eu humano. Enquanto, dê um lado, foi necessário fazer as pedras rolarem, para que o limo não se criasse; as pedras que ficaram paradas sofrem com as intempéries.

Ao enfrentar os bruxos invisíveis – que nos aprisionam – renovamos nossas forças. A vida não é uma ilusão. A realidade – impossível de ser representada, como acreditou Jorge Luis Borges – pode ser vivida.

A verdade, em que eu busco me fortalecer, é que a cada dia que se vive e se vence o dragão mimado, deixamos para trás os grilhões que nos aprisionam, ou se preferirem ao modo reicheano: as couraças que bloqueiam nossas energias.

O fato de ter começado esse texto com a citação do livro Sidarta, do H. Hesse, não é arbitrária. Na medida em que estamos presos a ilusões e pensamentos, obcecados pela meta vazia, a vida vai acontecendo, e acabamos por não acompanhar o nosso próprio movimento. Logo, “não é questão de arruinar a vida de ninguém não, tá? A questão é você, tá ouvindo?”.

Mzuri sana.

30 de jul. de 2010

Imaginando Vitória

Não sei se é um mal de nossa época achar que tudo está indo mal, que se vive num momento pobre e que a maior parte dos problemas não tem solução. Que isso se liga a uma visão pessimista de mundo, ninguém pode negar. O fato é que em Vitória, quando se insere nas tortuosas aventuras e desventuras das ruas, as pessoas acham que estão à margem do mundo, de que aqui nada acontece. Quando o viajante vê isso, meditando pergunta: como é possível que nada aconteça no mundo? Tendo a consciência de que no mundo todo – tudo pertence ao eterno diálogo das coisas que estão interligadas pelo fio condutor da vida – sempre acontece algo, é inimaginável entender a vida como algo parado, sem movimento. Muito menos, pode-se ter a certeza de que uma cidade não está em movimento.

Se a cidade não se move, são as pessoas que não compreendem o infinito movimento que ela faz. Isso só confirma que, não todas as pessoas, mas a maior parte vê apenas as silhuetas do mundo que as cerca.

O mundo como penumbra é algo que inspirar terror. A escuridão sempre mexeu com o imaginário das pessoas. O que não vemos causa, no mínimo, assombro. Se Vitória é sempre vista dessa forma, então nunca será uma boa cidade. Como podem as pessoas se encontrar em meio às sombras?

Se no Mapa do Grande Khan cabem todas as cidades, será que o imperador possuiria um outro mapa, que serviria de guia para sair da escuridão? Provavelmente, Marco Polo iria responder: “Não a guia para sair da escuridão. Para encontrar a luz ou a saída das trevas, é preciso trilhar o caminho que leva ao dia. Do poente até o sol nascer, a terra dá uma volta inteira. Para que uma cidade se encontre, é preciso que as pessoas trabalhem enquanto vem o momento da aurora. O sol nasce independente da vontade alheia. Mas o mundo que as pessoas têm a sua volta, só roda quando o pensamento vira ação”.

Encontrar uma cidade significa encontrar a si mesmo. Saber o que exprime uma cidade é compreender a dinâmica do espaço em que se situamos. Se a urbe é caótica, no seio de sua história, que cria e recria a sua identidade, ainda sim ela tem sua ordem. Nenhuma cidade é sem trajetória, todas tem sentidos e caminhos que denotam um símbolo. Logo, toda cidade é o símbolo vivo, daqueles que nela habitam.

Se fumando tabaco da parte mais longínqua de seu império, o Grande Khan, sentado no seu trono, perguntasse a Marco Polo o motivo de existirem as cidades, o viajante não poderia dar uma resposta fechada. “Não há como responder essa pergunta de forma exata. Caminhei por todas as cidades, nenhuma delas era apreensível completamente. Quanto mais de perto vemos uma cidade, sempre notamos as diferenças. Uma rua, que durante o dia é movimentada, à noite sede lugar para o silêncio, onde o passante taciturno caminha a espreita de um desejo íntimo que eleve a sua felicidade”.

Em Vitória, diria ele ao imperador, o centro da cidade é agitado durante o dia. Passam pessoas, nas calçadas os vendedores falam alto em busca de transformar os passantes da calçada em clientes, as ruas dividem espaço com os carros e ônibus que passam pesado sobre a rua, e é muito possível que se escute a buzina de um navio que vem atracar no porto. Quando o sol vai se pondo, o barulho dos carros vai cedendo espaço para os sons do silêncio. As ruas que eram movimentadas, repousam num silêncio profundo. A vida toma outra feição, e quem caminha naquele local são apenas os espíritos marginalizados, que ficam à espreita. E mesmo à margem, esses espectros noturnos têm a sua alegria, ainda que nos seja peculiar.

O aparente movimento soturno, daqueles que caminham à noite, é desconhecido pelos que caminham durante o dia. O viajante, mesmo de fora, tem que se esforçar e muito, para perceber as sutilezas e vivacidades das pessoas que nada aparentam possuir.

À noite, mesmo quando todas as vacas são pardas, o indivíduo se revela como mais alto ser. No mundo real, banhado pela luz da lua, ou dos postes, o real se mistura com a ficção e o sonho torna-se uma etérea realidade. Onde passavam carros, agora voa um jornal levado pela brisa noturna com uma notícia que já não interessa ninguém porque se refere ao tempo passado.

Quem caminha à noite, pela Avenida Vitória, ao raiar da luz do primeiro poste, sabe que o tempo de transição chega. Enquanto a imagem do jornal voando, se refere ao tempo que passou, toda vez que se ascende um poste, o viajante sabe que um novo dia está por vir. Quando entra a noite, é sinal de que o dia tem que raiar. É nesse sentido que a esperança, dos vagabundos notívagos, se renova. A vida deles, como diria um dos companheiros do viajante, segue o ritmo da “marchinha incessante da existência”.

Assim, aqueles que caminham, sem um rumo definido acabam por continuar uma vida quase que cíclica, pois apenas esperam a noite vir para o dia raiar. Esse movimento, quando captado por aquele que viaja, eleva o espírito e a existência, revelando como uma vida singela se mexe.