8 de set. de 2012

Os seres que desceram da montanha

Os seres que desceram da montanha


Parte I - A subida

Os seres que desceram a montanha não sabiam o caminho a percorrer. Eles haviam sido banidos de sua Sociedade há muitos anos, dizimados por não aceitarem a Verdade que lhes era imposta. Enfraquecidos pela ganância e pelo ódio sonolento (o ódio impede as pessoas de sonhar) dos Maiores, buscaram o refúgio nas montanhas aonde não havia a presença da verdade. Cansados de tanto sangrarem, deram ao tempo o poder de cicatrizá-los pelas perseguições e represálias sofridas. Assim, iniciara-se uma longa jornada de recolhimento e transmutação de suas vidas.

Ao ter sido iniciada a jornada deveriam renunciar ao passado, à Verdade e ao complexo esquema de crenças num mundo além do que lhes era conhecido. Incrustados como a ferrugem no metal que já não brilha, era penoso abandonar o conveniente, o conforto e o calor, iniciar aquele processo de polimento para recuperar o vigor e a beleza apagados pela ébria euforia da Certeza mortificante. Esses que decidiram subir, ao contrário do que possamos pensar não se isolariam do mundo, iriam, na verdade, reformularem-se em si mesmos a partir do que já não mais podiam ser. O que a maioria via como isolamento, profundo e áspero, foi na verdade luta contra as resignações que lhes impunham.

Diferentes esses seres que não aceitavam mais a Verdade, oblíquos seres que procurariam não no Outro a potência criadora, e sim em seus próprios corpos que, por quase apagados que estivessem, ainda cintilavam as gotas de luz que irradiavam de suas palavras de criação. 

Assim, iniciou-se a subida. Do pouco que restou, ia-se fazendo o novo.