7 de ago. de 2010

A ilusão do campo de concentração: por uma vida não fascista

- Que poderia eu dizer-te, ó reverendo? Só, talvez, que procuras demais, que de tanta busca não tens tempo para encontrar coisa alguma.
- Por quê? - perguntou Govinda.

- Quando alguém procura muito - explicou Sidarta - pode facilmente acontecer que seus olhos se concentrem exclusivamente no objeto procurado e que ele fique incapaz de achar o que quer que seja, tornando-se inacessível a tudo e a qualquer coisa porque sempre só pensa naquele objeto, e porque tem uma meta, que o obceca inteiramente. Procurar significa: ter uma meta. Mas achar significa: estar livre, abrir-se a tudo, não ter meta alguma. Pode ser que tu, ó venerável, sejas realmente um buscador, já que, no afã de te aproximares da tua meta, não enxergas certas coisas que se encontram bem perto dos teus olhos.

(Sidarta – Herman Hesse)


Estar livre é uma rara capacidade que os seres humanos possuem. Ao caminhar pelas sendas da História, é possível perceber as diversas formas de escravidão que o ser humano se encontrou: o trabalho compulsório, na antiga colônia e em grande parte do Brasil Império; a humilhação em campos de concentração, implementada pelos facismos; não menos importante, a submissão de milhares de índios aos colonizadores, na América Hispânica e Portuguesa. Se não bastasse a auto-escravidão, foi necessário que escravizassem os outros.

Dispersos em pensamentos, muitas vezes vagos, acabamos por não enxergar o mundo que nos rodeia. Por conta das metas e das obrigações – muitas delas, escurecidas – acabamos por viver uma vida fascista. Involuntariamente, acabamos por tornar a nossa vida um campo de concentração, onde o autoflagelo e a dissonância entre a liberdade e a prisão tornam-se habituais.

O comum não é a prisão, mas o hábito de aprisionar-se, de sedentarizar-se. Dentro de toda a complexidade humana, o movimento (é preciso que o coração pulse para que haja vida) e a liberdade (mesmo oculta) estiveram presentes. O pensamento nômade, em sua própria história, sedentarizou-se, mediante as comodidades criadas pelo Eu humano. Enquanto, dê um lado, foi necessário fazer as pedras rolarem, para que o limo não se criasse; as pedras que ficaram paradas sofrem com as intempéries.

Ao enfrentar os bruxos invisíveis – que nos aprisionam – renovamos nossas forças. A vida não é uma ilusão. A realidade – impossível de ser representada, como acreditou Jorge Luis Borges – pode ser vivida.

A verdade, em que eu busco me fortalecer, é que a cada dia que se vive e se vence o dragão mimado, deixamos para trás os grilhões que nos aprisionam, ou se preferirem ao modo reicheano: as couraças que bloqueiam nossas energias.

O fato de ter começado esse texto com a citação do livro Sidarta, do H. Hesse, não é arbitrária. Na medida em que estamos presos a ilusões e pensamentos, obcecados pela meta vazia, a vida vai acontecendo, e acabamos por não acompanhar o nosso próprio movimento. Logo, “não é questão de arruinar a vida de ninguém não, tá? A questão é você, tá ouvindo?”.

Mzuri sana.

Um comentário:

Vítor C. disse...

Muito bom, Pedro. Sidarta é um livraço. Hoje em dia, acho Hesse muito místico, mas ainda tou pra ler 'o lobo da estepe'. Outro livro fantástico dele é 'Demian', li duas vezes, me marcou muito.

E a liberdade né... é essa coisa estranha aí. Dialoguei demais com seu texto. Abraço.