10 de abr. de 2011

Incursões Urbanas - Andando por uma megalópole

Andar por São Paulo, a capital, é sempre uma ambiguidade: ao passo que nos situamos na cidade, nos perdemos em nós mesmos. Mesmo para os que vivem aqui, com certeza, a experiência de conviver com a metrópole nunca é algo tão simples. Eu, que morei grande parte de minha vida em Vitória, mesmo não sendo daí, e algum tempo numa cidade do interior de Minas Gerais, me sinto vislumbrado pelo que São Paulo é e está sendo, a cada instante. São Paulo é uma cidade em mudanças constantes, nunca permanece a mesma, a todo hora as ruas mudam, novas obras são feitas, prédios são erguidos. Pobreza e desenvolvimento convivem lado a lado, não em perfeita harmonia, mas em contrastes exageradíssimos.

Por esses dias, que tive a ligeira oportunidade de caminhar pela cidade e ouvir relatos de algumas pessoas, pude compreender como que certas situações ocorrem. Em um lado, há pessoas que nunca conheceram o lado pobre da cidade. Sentado em uma padaria, ouvi o relato de uma pessoa que nunca tinha entrado numa favela. Na verdade, ele nem sabia que isso existia. Foi, somente, ter a noção de que as pessoas viviam naquela condição, quando por engano, se perdeu com o carro da empresa. Do outro lado, tenho uma amiga arquiteta. Para ela, a cidade não faz as pessoas. São as pessoas que fazem a cidade.

O centro da cidade de São Paulo contenha, talvez, aquilo que melhor simbolize a cidade. O movimento frenético das pessoas, dos carros, do metrô, antigos prédios suntuosos e onipresentes na arquitetura da cidade, como o Edifício do Banespa. Nos viadutos, como o Santa Ifigênia e o do Chá, podemos ouvir e ver o ritmo dos carros que circulam, dando a impressão de que a música urbana em São Paulo segue com uma cadência descompassada.

O que me impressiona, ainda mais, é ver em meio a tudo isso as pessoas. Muitos imigrantes nas ruas, a maior parte deles ilegais, tentando ganhar a vida. São latino-americanos, africanos, asiáticos que saem da sua terra natal para buscar melhores condições de vida na metrópole. Outra visão que faz parte da mesma paisagem, e gera impacto são os moradores de rua. Infelizmente, eles não vivem, sobrevivem sempre à mercê de algo que os espreita. Muitos deles são pessoas que perderam empregos, e com certa idade que já não encontram, com tanta facilidade, oportunidades de vida para sair dessas condições, muitas vezes, impostas pelas próprias circunstâncias da vida.

Eu que sou habitante de uma cidade, relativamente, pequena perto de São Paulo, penso no que significa a violência. Em Vitória, onde as pessoas são conservadoras e vivem em redomas de vidro, a violência se manifesta pelas atitudes. É muito fácil perceber, nas pequenas situações, como ela é presente no cotidiano urbano da sociedade rural de Vitória. Para quem anda de ônibus, é comum observar, por exemplo, que os lugares destinados aos idosos, muitas vezes, acabam ocupados por pessoas sem nenhuma necessidade especial. E a gravidade da situação reside, justamente, no fato de os lugares especiais (garantidos por leis) não serem cedidos aos que têm direito. Em São Paulo, não vi, em nenhum momento, esse tipo de situação ocorrer. Pelo contrário, no Metrô vi pessoas que não precisavam ceder os lugares, dando espaço àqueles que necessitavam. Porém, em SP, a violência se manifesta simbolicamente por meio do descaso e da indiferença.

O inverno em Vitória, diferentemente de São Paulo, não é frio. Se viver na rua já é difícil, viver na rua e com frio torna-se muito pior. Um ex-morador de rua de São Paulo relata que “Fala do frio: coisa que ainda me dá arrepios. Nas ruas, desenvolvi um problema que me afeta os dentes, o bruxismo. [...] O sono, à noite, na rua é ruim e preocupante. [...] Frio dói de verdade; dói o corpo, dói a alma”. Imagino que em SP, a violência do descaso, faz com que as pessoas sofram pelo abandono, pela indiferença. Nesse ponto, os moradores de Vitória (com sua mentalidade provinciana) poderiam compreender a dimensão do que significa experienciar o descaso, e talvez modificar as pequenas atitudes que se manifestam no pequeno mundo capixaba. Por que, então, em Vitória as pessoas continuam a fingir que são ilhas? Enquanto em São Paulo, a impressão é de não saber onde as pessoas começam e terminam, pois, o fluxo intenso as tornam sempre imprecisas; em Vitória, prossigo defendendo a tese de que os habitantes introjetam a ilha em si próprios.

Conforme foi dito, com a ilha dentro de si as pessoas pensam saber onde começam e acabam. Mera impressão. Pessoas que se acham auto-suficientes acabam demonstrando a fragilidade de uma cidade cindida, não pelo mar, mas pela falta de respeito. O próprio significado que Vitória assume no vocabulário de seus habitantes, não demora por tomar uma conotação pejorativa.

Que o exemplo da grande cidade sirva a Vitória, na medida em que seus habitantes pratiquem a não-indiferença. Que a ilha saiba que não é somente uma ilha.

Com o desejo de que a sociedade de Vitória não seja tão vitoriana!



Nenhum comentário: